Berimbau
A Lenda do Berimbau
Uma menina saiu a passeio. Ao
atravessar um córrego abaixou-se e tomou a água no côncavo das mãos. No momento
em que, sofregamente, saciava a sede, um homem deu-lhe uma forte pancada na
nuca. Ao morrer, transformou-se imediatamente num arco musical: seu corpo se
converteu no madeiro, seus membros na corda, sua cabeça na caixa de ressonância
e seu espírito na música solene e sentimental.
(Conto existente no leste e no norte africano)
(Texto
retirado da Revista do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia) nº 80 de
1956.
Origem
A introdução deste instrumento no
Brasil foi feita com a chegada dos negros Bantos, mais precisamente pelos
Angolanos, cuja a cultura é uma das mais antigas de África.
No entanto, vale a pena salientar que, apesar do Arco Musical ter chegado ao
Brasil por intermédio dos negros africanos, isto não implica que tenha sido
criado por estes.
Emília Biancarde, na obra Raízes Musicais da Bahia, diz acreditar-se que o arco
musical já estava em uso há 15.000 anos antes de Cristo, porquanto aparece em
pinturas rupestres da época, como a que foi encontrada na caverna Les Trois
Frèmes, no sudeste da França. Albano Marinho de Oliveira, em pesquisa publicada
na revista do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia de 1956, diz que, de
entre os instrumentos de corda conhecidos no mundo, os mais antigos são a
harpa, o Alaúde e a Cítara.
Estes Instrumentos existem há cerca
de 4.000 anos antes de Cristo e foram encontradas gravuras em pinturas e
relevos do antigo Egito. Todos estes três instrumentos retratados, tiveram a
sua origem num arco musical, que tinha como característica, uma corda fixada
nas suas extremidades e tendo como amplificador de som, uma caixa de
ressonância, podendo até mesmo ser um buraco no chão.
O arco musical foi, com toda a certeza, o ponto de origem da Harpa, opinião
dominante entre os musicólogos. Hugo Riemann, na sua obra História La Música –
1930, diz acreditar que o som produzido pelo arco de caçador ao disparar a
flecha foi, sem dúvida, segundo a lenda, a causa da invenção do arco musical.
Teoria esta, contestada por Curt Sachs, na obra História Universal de Los
Instrumentos Musicales.
De qualquer forma, torna-se impossível fixar o ponto e época exata do seu
aparecimento, pois a extensão geográfica da sua expansão dificulta certezas.
Curt Sachs, anota a sua existência no México, na Califórnia, na Rodésia, no
Norte e no Este Africanos, na ilha de Pentecostes, e na Índia; Carlos Vega,
entre Índios da parte mais meridional da América do Sul e Ortiz, na ilha de
Cuba.
Albano de Oliveira resume que:
“dos instrumentos de corda primitivos, a harpa provém de um arco, semelhante ao
de caçador. E como referências antigas dão como a arpa originária do Egito,
lítcito é se adimitir que o arco musical dalí partiu, espalhando-se a princípio
pelo Oriente Próximo, Sul da Índia, onde Curt Sachs acredita existir a forma
mais primitiva do arco musical, Indostão, Oceania, Continente Africano e
somente nos tempos modernos, Europa e América.”
O Nome
Hoje em dia não nos é possível definir com exactidão a origem do
vocábulo Berimbau, nem tão pouco sabermos quando este arco musical perdeu o
nome de origem e herdou o termo conhecido atualmente.
A ideia mais aceite, é a de que o nome Berimbau venha do termo vindo do
quibundo `birimbau, existem ainda os que defendam sua origem vinda do termo
Balimbano, de origem mandinga, ambos os termos estão registados no Dicionário
Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado. De outra forma,
acredita-se que seja um termo vindo da palavra de origem Ibérica Birimbau, que,
no Dicionário da Real Academia Espanhola, é definido como sendo um pequeno
instrumento, composto de arame ou madeira, com uma lâmina fina fixa ao meio.
Segundo Albano de Oliveira, em pesquisa na obra “Viagem Pitoresca e Histórica
do Brasil” de Jean Baptiste Debret, artista Francês que morou no Brasil de 1816
até 1831, o nome de origem do nosso conhecido arco musical, o berimbau, era
Urucungo, termo angolano, comprovando assim a origem angolana do instrumento.
De outra forma, encontramos vários outros termos que definem o berimbau de
barriga, são estes Uricundo, Urucungo (este último também registrado por Edson
Carneiro, como já referido, sendo de origem Angolana), Orucungo, Oricungo,
Lucungo, Gobo, Rucungo (registrados por Arthur Ramos), Bucumba, Macungo,
Matungo e Rucumbo, bem como outros termos ainda não conhecidos.
O emprego do Arco Musical
Segundo a ordem cronológica da
história dos instrumentos, os de percussão surgiram primeiro, sendo utilizados
pelos povos guerreiros, seguidos dos de cordas e posteriormente, os de sopro.
O arco musical teria nascido no Egito, ou segundo Curt Sachs, no sul da Índia,
em épocas muito remotas, e atravessou tempo e fronteiras, sendo conhecido em
todos os continentes. O seu uso deveria ser apenas para a satisfação humana nas
horas de lazer, ou ainda para manifestações religiosas, pois segundo consta,
toda a história da música, está retratada em registros e documentos religiosos,
como as gravuras tumulares egípcias, onde os instrumentos aparecem como forma
de reverência aos Deuses, ao que o arco musical não seria excepção.
Provando isso, Curt Sachs, em pesquisa sobre o arco musical, encontrou povos em
ainda estágios primitivos de civilização, no qual o arco musical está ligado a
religião, misticismo ou lenda, como, por exemplo, a dos povos do Norte e Este
Africano, que narram a história da menina que bebia água num córrego, retratada
no início desta pesquisa. Povos do México, como os Covas, utilizam um arco
musical com uma caixa de ressonância separada. Esta caixa é na verdade o
símbolo da deusa da Lua e da Terra, e entre algumas tribos deste mesmo povo, só
as mulheres podem tocá-lo. Na Rodésia, o arco musical é tocado na iniciação das
meninas. Já os Washam Balás, do Leste Africano, acreditam que o homem não
poderá casar se, quando estiver fabricando o instrumento, se partir a corda,
pois trata-se de um instrumento sagrado.
O emprego do arco musical com característica religiosa, tende a diminuir entre
os povos com níveis diferentes de cultura, é o que acredita Albano de Oliveira.
No Tongo, o arco musical é tocado pelos velhos anciãos nativos apenas como
forma de recordarem os tempos áureos da juventude. É o que faziam, segundo
relato de Alfredo Brandão, quando os negros de alagoas, tocados pelos
sentimentos de saudade e tristeza, aproveitavam a calada da noite nas senzalas
para tocarem o berimbau.
No Brasil, o berimbau não esteve, nem está ligado, a religiosidade, no entanto,
sabemos do emprego do mesmo em missas, ou momentos que relembrem velhos
mestres, sendo esta uma prática particular dos capoeiristas. Na bahia, durante
as festas de largos em dias santificados, era costume aparecerem tocadores de
berimbaus.
Retratado
ainda pelos viajantes Rugendas e Debret como instrumento utilizado para atrair
fregueses, ou mesmo, como forma de um cego pedir auxílio, o berimbau exercia
várias funções.
Hoje em dia, no Brasil, o berimbau é encontrado especialmente nos grupos de capoeira, onde exerce um papel importantíssimo na manutenção do jogo. É ainda usado por músicos e grupos de danças como instrumento de percussão.
Hoje em dia, no Brasil, o berimbau é encontrado especialmente nos grupos de capoeira, onde exerce um papel importantíssimo na manutenção do jogo. É ainda usado por músicos e grupos de danças como instrumento de percussão.
A introdução na Capoeira.

Sabendo que a capoeira nasceu primeiramente como luta, podemos deduzir que o berimbau não tenha tido, nesta época, relação com a mesma, cabendo este papel aos batuques e atabaques, que possuem uma identificação maior com as lutas e rituais afros, é o que prova a gravura intitulada “Kriegsspiel” (Brincadeira de Guerra), registrada na obra “Viagem Pitoresca Através do Brasil”, livro lançado em 1763, de Jean Maurice Rugendas. Nesta gravura, não se verificou a presença do berimbau, e sim de um pequeno atabaque, e em volta dos lutadores, pessoas animando e a baterem palmas, num local, que, segundo Albano de Oliveira, é provavelmente o trecho onde é hoje Monte Serrate, na Bahia. Outra obra publicada entre 1834 e 1839, do francês Jean Baptiste Debrete, intitulada “Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil”, retrata um arco musical nas mãos de um cego. Temos ainda a ilustração de Joachim C. Guillobel (1787 – 1859), que registra a presença de um berimbau a ser tocado por um vendedor ambulante, como forma de atrair os fregueses, não vinculando assim o instrumento com a capoeira.
Sabemos ainda que as maltas de capoeiras no Rio de Janeiro foram perseguidas, sendo, desta forma, extinta a capoeiragem na antiga capital, e que, no Rio, se desconhecia a presença deste arco musical. Na Bahia, segundo Emília Biancarde, na segunda metade do século XIX, o berimbau foi introduzido na arte, pois a capoeira só se perpetuou graças ao seu uso, e ao dos demais instrumentos, pois, quando alguém estranho ao grupo se aproximava, era fácil transformar o jogo em dança, como por exemplo, o samba de roda. Com o passar do tempo, o berimbau passou a comandar a roda, sendo até hoje indispensável o seu uso. Emília Biancarde diz ainda que, segundo Mestre Pastinha, na década de 40, se costumava ver a presença de uma viola de doze cordas nas rodas, e que a presença do berimbau já se fazia sentir.
Existem, no entanto, aqueles que acreditam que o Berimbau já era usado na arte capoeira desde a época colonial, dentro das senzalas, segundo alguns relatos, como o que Rosangela Peta descreve na matéria sobre capoeira, na revista Super Interesante, lançada no mês de Maio de 96. Henry Koster (Inglês que se radicou em Pernambuco, virou senhor de engenho e passou a ser chamado Henrique Costa), escreveu nas suas anotações de 1816 que, de vez em quando, os escravos pediam licença para dançar em frente as senzalas, e divertiam-se ao som de objectos rudes. Um deles era o atabaque, outro “um grande arco com uma corda, tendo uma meia quenga de coco no meio ou uma pequena cabaça amarrada”, trazendo assim, a utilização do berimbau nos momentos em que os escravos, supostamente, estariam treinando a capoeiragem, em meio a festa.
Os tipos de Berimbaus
na capoeira
Na
capoeira, são conhecidos três tipos de berimbaus, que possuem individualmente
funções diferentes na bateria, que têm de ser bem executadas de forma a criar
uma perfeita harmonia na roda. Na Bateria da capoeira angola usam-se três
berimbaus, na charanga da regional, apenas um, sendo este acompanhado pela
marcação dos pandeiros.
O Gunga: É o berimbau que possui o
som mais grave, tem como característica possuir uma cabaça (caixa de ressonância)
grande. Alguns autores acreditam que o seu vocábulo venha da palavra angolana
hungu. É também conhecido por muitos como berra boi. Este tipo de berimbau é
mais utilizado no estilo de capoeira angola, onde é normalmente tocado pelo
mestre ou capoeirista responsável em manter o ritmo da roda, pois é o gunga
quem comanda a base do ritmo, ditando o toque e a cadência a serem executados.
O Médio: Como o próprio nome refere, é o que possui uma cabaça com tamanho
intermediário aos outros dois, tendo no som a mesma característica, tem como
função acompanhar a base do toque do berimbau gunga, podendo no entanto,
pontualmente, executar algumas variações. É o tipo de berimbau mais utilizado
na formação dos instrumentos da Capoeira Regional, porém, é também parte integrante
da bateria da Capoeira Angola.
O Viola: Conhecido também como violinha, é responsável pelo improviso, dando o
chamado “molho” ao ritmo. Quando um bom tocador está a manuseá-lo, seu som
agudo, é de uma vibração inigualável, fazendo com que a assistência escute o
lamento ou mesmo uma saudação alegre e feliz, através de sua música. É dos três
tipos o que possui a menor das cabaças.
A constituição do Berimbau: Um instrumento monocórdio,
constituído por uma verga arqueada, um arame estendido, uma cabaça, que tem o
papel de caixa de ressonância, uma baqueta de percussão, um dobrão ou seixo, e
ainda é acompanhado pelo uso do caxixi.
A Verga: A madeira que deve ser usada para a
confecção do berimbau tem de ser flexível e resistente, a mais usada e
conhecida é a Biriba, que deve ser cortada no mato, na lua quarto minguante. Em
viagem pela Bahia, perguntei ao Mestre Marinheiro, residente em Feira de
Santana, artesão e vendedor de berimbau e caxixi, que se encontrava na capital
baiana, se, com tanta extracção de Biriba, ela não correria o risco de se
extinguir, ao que ele respondeu que, normalmente quando extraída da mata,
passados dois a três anos ela renasce do mesmo ramo cortado.
Alguns artesãos cozinham a biriba, como forma de torná-la mais resistente. O Berimbau ainda pode ser feito com outros tipos de madeiras, tais como o cunduru, o pau d´darco, o pau pombo, a tapioca, o bambu e outras. Em Portugal, como forma de suprir a carência de espécies encontradas somente na Mata Atlântica, usa-se o eucalipto, ou o pau de lodo, sendo este último utilizado no tradicional Jogo do Pau Português. No caso do eucalipto, este deve ser tirado quando ainda está pequeno e verde, e antes de o cortar, deve-se primeiro vergá-lo a fim de não proceder a um corte desnecessário, ficando a verga inutilizável e sem uso. Depois de verificada a resistência e feito o corte, deve-se retirar a casca, quando esta ainda se encontra verde e húmida, logo depois deixa-se secar à sombra durante cerca de uma semana e meia, e só depois se poderá proceder ao trabalho de acabamento.
A Corda: Em tempos remotos, eram usados como
fio para este instrumento, sipó ou vísceras de animais, só muito tempo depois
se introduziu o uso do arame comum (recozido), para só depois então, com a
chegada dos primeiros automóveis importados a Salvador, segundo mestre Pastinha
em relato a Emília Biancarde, os tocadores, que na sua maioria trabalhavam como
estivadores nas docas de salvador, descobrirem que o arame temperado existente
nos pneus dos carros produziam um som melhor que o sipó-timbó ou arame comum, e
passaram a utilizá-lo.
A Cabaça: (Cucurbita Lagenaria, Lineu) É uma planta rampante. De uso múltiplo e
secular entre os utensílios domésticos, herdados da indiaria. Deve ser
utilizada quando bem seca, cortada no caule, lixada por dentro a fim de
limpá-la das sementes e vestígios de fibras encontrados no seu interior, para
depois serem feitos dois furos, onde passará um cordão a fim de fixá-la na
verga, esta terá a função de ampliar o som do arame percutido. Mestre João
Pequeno, quando do término de sua roda na academia João Pequeno de Pastinha,
localizada no Forte Santo António, utiliza-se da cabaça como forma de ampliar a
sua voz, para proferir a sua palavras aos capoeiristas e público presente na
sua academia.
O Dobrão: Segundo relato de Mestre Pastinha, nos primitivos berimbaus, os músicos
utilizavam as unhas do dedo polegar, como forma de obter efeito sonoro,
colocando-a próxima ou distante da corda. O nome dobrão, tão caro ao Mestre
Noronha, é tomado da moeda de 40 reis, sendo essa uma peça de cobre com cerca
de 5 centímetros. No entanto, muitos capoeiras preferem o uso dos seixos como
forma de modular as notas e, segundo Dr. Decânio, os africanos costumam utilizar-se
desta mesma pedra. Em Portugal os seixos são encontrados em abundância, nas
margens das suas praias com características rochosas, moldados pelo mar,
tomando uma forma cilíndrica quase que perfeita, óptima para o manuseio.
A Baqueta: medindo cerca de 40 centímetros, é utilizada para percutir no arame
montado na verga e, dependendo do gosto do tocador, ela pode ser leve ou
pesada, tem de ser feita com material resistente, como ticum, lasca de bambu,
ou até mesmo eucalipto.
As partes do Berimbau: Em
visita a Associação de capoeira Mestre Bimba, presidida e orientada pelo Mestre
Bamba, tive o prazer de conversar com o já citado Mestre Marinheiro, que
definiu os nomes das partes do berimbau como sendo:
Birro: acabamento na parte inferior da verga, onde o arame é fixado, alguns
capoeiristas chamam-no de “casa”. Existem diferenças na forma como são
encontrados os Birros, na Capoeira Regional, pode ser pontiagudo, e na angola,
feito com uma saliência.
Argola: Extremidade da parte inferior do
arame, onde será fixo no birro.
Presilha: É na verdade, o cordão que serve para prender a cabaça na verga e no
arame.
Couraça de protecção ou couro: É um pequeno disco de cabedal grosso,
fixo na extremidade superior da verga, como forma de evitar que o arame penetre
na verga inutilizando-a.
Ponteira: extremidade superior da
corda (arame), onde este se encontra moldado como uma argola, e onde é preso um
cordão de algodão ou sisal, que irá tencionar o fio de arame, e fixá-lo na
verga.
Outras partes do Berimbau: Verga,
cabaça, baqueta, dobrão ou seixo, arame de aço, e ainda como complemento o
caxixi.
Acervo pessoal. Professor Buscapé
(Fonte: Texto retirado da Revista do Instituto Geográfico e
Histórico da Bahia) nº 80 de 1956.
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